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Como facção impõe medo e muda rotina em município de 8 mil habitantes no noroeste do RS
Sábado, 14 de Setembro de 2019 às 07:05
Santa Bárbara do Sul, na região noroeste do Rio Grande do Sul, é cortada por uma ferrovia histórica. Há 122 anos, a chegada da estrada de ferro mudou a rotina no município, que passou a ser interessante economicamente, como ponto de embarque e desembarque de cargas, especialmente grãos, e também de passageiros, como os turistas que decidiam se banhar nas águas termais em Iraí. Hoje, a linha por onde não circulam mais trens delimita outro território: o do tráfico de drogas. De cada lado, o comércio é chefiado por uma célula vinculada a uma mesma facção do Vale do Sinos, segundo a Polícia Civil.

Há pelo menos quatro meses, está sob investigação a chegada do crime organizado na cidade. Uma realidade até então distante para um município de 8 mil habitantes, que vive do agronegócio e onde à noite é possível “ouvir até a grama crescer”, como brincam os moradores. No dia a dia, o comércio de entorpecentes reflete no aumento de crimes, como furtos e assaltos. Embora seja apontado como fator para inflar esses delitos, o elo entre Santa Bárbara do Sul e a facção Os Manos foi descortinado para a maioria da população somente no amanhecer de 16 de agosto.

Acostumados com uma rotina onde qualquer veículo estranho atrai olhares desconfiados e faz espichar pescoços, moradores despertaram com o sobrevoo de um helicóptero. As ruas foram tomadas por 360 agentes, que transitavam de um lado para o outro em dezenas de viaturas. Neste momento, os principais acessos já estavam fechados pelo Exército e polícias. Só era permitido passar se o veículo fosse revistado. Cães farejadores auxiliavam nas buscas.

— Parecia um aparato de guerra — descreve Olívia Gardin, 63 anos, que ainda estava na cama quando ouviu o início da movimentação.

Entretido com os preparativos do café da manhã para os hóspedes do hotel mantido pelo casal, Luiz Gardin, 65 anos, não se alvoroçou como a esposa. Imaginou que fosse o som da aeronave usada por uma empresa cerealista para transportar funcionários. Só passou a estranhar quando os carros começaram a trafegar em alta velocidade. Decidiu conferir do que se tratava. Quando saiu na porta, na Avenida Coronel Victor Dumoncel, viu que os vizinhos miravam o alto. O helicóptero da Polícia Civil sobrevoava a cidade.

— É a polícia — avisou o outro morador.

Quando os policiais ingressaram na cidade, boa parte acreditava que o foco da ofensiva era outro. Um dos principais motores econômicos da região, a soja esteve no centro de uma ação da Polícia Civil quatro meses antes. Em 17 de abril, a Operação Midas trouxe à tona o desvio de recursos e cargas de uma empresa do município. O prejuízo, segundo a investigação, foi de pelo menos R$ 1 milhão em dois anos. Naquela data, foram cumpridos mandados de busca em empresas e residências. Desde então, moradores aguardam pelos desdobramentos do caso.

— Todo mundo pensava que o alvo era a soja. Foi surpresa. Numa comunidade tão pequena, a gente não sabia que tinha uma facção aqui — diz o presidente do Sindicato Rural, Libório

O aparato policial que foi para as ruas no combate ao tráfico era o triplo do empregado em abril. Os alvos eram responsáveis pelo comando, distribuição, cobrança de devedores e por intimidar usuários e moradores. Segundo a polícia, todos os criminosos eram vinculados à facção. Foram cumpridos 13 mandados de prisão e 28 de busca e apreensão. Desses, 24 em Santa Bárbara e os demais em Carazinho, Cruz Alta, Panambi, Passo Fundo e Palmeira das Missões. Acabaram capturadas 17 pessoas em Santa Bárbara — o que corresponde a 0,2% da população — e outras duas na região. Proporcionalmente, é como se 2,8 mil pessoas fossem detidas de uma única vez em Porto Alegre.

Recurso no Tribunal de Justiça revogou as prisões temporárias e os detidos foram soltos. Em contrapartida, o Ministério Público obteve a prisão preventiva de 10. Na segunda-feira (9), a polícia voltou a cumprir mandados contra a facção. Cinco foram presos e quatro – já detidos – receberam nova ordem de detenção preventiva. Os nomes não foram divulgados.

— Tal qual a presença da polícia transmite segurança, a presença desses delinquentes na rua impõe medo. Quando estão na cadeia, não estão perturbando a comunidade, embora o sistema carcerário esteja falido — afirma o delegado Josuel Muniz.

A expansão

Entre os policiais já havia a suspeita de que o grupo criminoso estava se estabelecendo no município há seis meses. Não é de hoje que a facção dá mostras de que vem se instalando nos confins da Região Noroeste. Em julho do ano passado, 47 pessoas foram presas na Operação Android. Um dos fatores que levou à ofensiva naquele período foi o crescimento de homicídios.

— Todas as regiões do Interior estão sentindo aumento de criminalidade, e um dos principais fatores é a vinda das facções, que antes agiam somente em grandes cidades. Aqui não é diferente. São rotas importantes para o tráfico, devido a sua localização, sendo caminho para outras regiões do Estado — afirma a delegada regional, Caroline Bamberg Machado.

Naquele episódio, de forma simultânea à operação, em Três Passos equipes da prefeitura apagaram pichações em um viaduto e paredes. As inscrições 14, 18, 12 são a forma de o grupo demarcar território e mostrar empoderamento. Em Santa Bárbara do Sul, as mesmas inscrições surgiram em muros e também foram apagadas. No trajeto em direção a Carazinho, pela BR-377, ainda é possível encontrar os símbolos dos criminosos do Vale do Sinos.

Por outro lado, em Santa Bárbara não houve aumento de homicídios. Neste ano, nenhum caso foi registrado. Segundo o delegado Muniz, a maior parte dos traficantes do município não apresentou resistência ao grupo.

— A facção acaba prevalecendo porque tem mais força, poder econômico e de fogo. Aqui eles se converteram — afirma.

A apreensão do celular de um traficante no início de junho permitiu à polícia confirmar as suspeitas sobre o vínculo com o crime organizado. Fotografias, diálogos por mensagens e comprovantes de depósitos em contas bancárias evidenciaram o elo. Um dos alvos da operação é apontado como líder no município. Segundo o delegado, o criminoso atuava na exploração da prostituição e migrou para o tráfico. Ele era conhecido por ameaçar desafetos e provocar tiroteios, razão pela qual a operação foi batizada de Faroeste Caboclo.

— Andava dando tiros, incendiando carros, ameaçando. Intimidava traficantes, usuários e a comunidade — diz Muniz.
Fonte: Observador Regional
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