Disputa de poder coloca índios gaúchos em pé de guerra na Terra Indígena do Guarita
Sábado, 26 de Outubro de 2019 às 08:08
Tacape numa mão, iPhone na outra, os caingangues que vivem na maior reserva indígena do Rio Grande do Sul, a Guarita, estão em pé de guerra. Com a borduna (porrete), feita da dura madeira de guajuvira cortada nas matas que cercam as aldeias, os índios ameaçam ir à batalha à moda antiga. Ao telefone, conspiram de forma moderna, por WhatsApp — uns para retirar o cacique Carlinhos Alfaiate, outros em apoio a ele.
Os tacapes estão à mostra, mas nem de longe são as armas mais potentes nessa briga. Escopetas, revólveres e até fuzis foram usados em pelo menos sete incidentes registrados nas duas últimas semanas na reserva, situada no noroeste do RS, perto da fronteira com a Argentina. No episódio mais rumoroso, mais de 20 disparos foram feitos contra a van usada pelo cacique e contra sua casa, que foi destruída a tiros e com bombas incendiárias improvisadas (coquetel molotov).
Todas as motivações por trás desse conflito envolvem poder — representado pelo cargo de chefe da reserva, o cacique. Cabe a ele a última palavra sobre quem vai ocupar os postos de trabalho dentro da área indígena. São na maioria cargos de professores e agentes de saúde — com contratos emergenciais —, mas também os empregados dos três frigoríficos situados ali. Por regra, o cacique e seus colaboradores mais próximos são quem indica nomes que trabalham junto à comunidade caingangue. Em maioria, os escolhidos são indígenas.
O cacique também costuma enviar indígenas, recomendados por ele, para serviços em outras cidades, como a colheita da maçã em Vacaria. Cestas básicas também costumam ser centralizadas no cacicado.
O cálculo do próprio staff próximo a Carlinhos Alfaiate é de que suas indicações atinjam mil postos de trabalho. Isso é um tesouro, numa comunidade que tem 7 mil índios. E movimenta a economia dos três municípios cortados pela reserva (Redentora, Miraguaí e Tenente Portela). A influência é tamanha que os caingangues elegeram três vereadores nas últimas eleições e seu apoio é decisivo para os prefeitos.
Essa é a face legalizada do poder do cacicado e já explicaria a ambição pelo cargo. Mas existe também a disputa clandestina, por supostas arrecadações irregulares. Quem assume a existência disso, sem meias palavras, é o maior adversário do cacique Carlinhos Alfaiate, o vice-cacique Vanderlei Ribeiro, o Vandinho, 46 anos. Suspeito de ter organizado o atentado contra Alfaiate (conforme testemunhas relatam à Polícia Civil), Vandinho nega, mas admite a rivalidade entre os dois e diz que ele se considera o legítimo cacique, não mais Alfaiate.
Vandinho recebeu GaúchaZH na localidade de Pedra Lisa, nos arredores de Tenente Portela. Estava ladeado por caingangues de figurinos variados. Os mais antigos, com chapéu de vaqueiro e botas. Os mais jovens, com tênis Nike, pulseiras — alguns com corte de cabelo moicano e brincos nas orelhas. O alarido era grande. As mulheres, mais atrás, apenas espiavam.
Vandinho confirmou ter repassado documento ao Ministério Público Federal (MPF), ao qual os repórteres tiveram acesso, no qual relaciona supostas práticas criminosas históricas na reserva e assegura que elas seriam mantidas por Alfaiate:
Arrendamento ilegal de terras: é algo no qual os índios entram com terra e os não-índios, com máquinas e plantio. A prática configura crime, porque área de reserva é propriedade da União e não pode ser arrendada. Em documento anexado à investigação do MPF, Vandinho diz que o cacique arrecadaria em um ano R$ 1,5 milhão com arrendamento de áreas da reserva para plantio de soja, milho e trigo (safras de inverno e verão). A terra é ampla e fértil, com acesso por estrada asfaltada, raridade no meio de um mar de pequenas propriedades. Dos 24 mil hectares da área indígena (800 vezes o Parque da Redenção, em Porto Alegre), metade é destinada à lavoura, quase toda plantada por agricultores não-índios, sem contrato legalizado (conforme o MPF). De cada hectare plantado, duas sacas colhidas vão para o cacique (a R$ 62 cada uma), relata Vandinho, afora aluguel que o líder cobraria também dos indígenas, por uso da terra. Há uma ideia do governo Bolsonaro de legalizar o arrendamento em área indígena, mas a prática continua ilegal.
xtorsão a servidores: é um delito crônico na reserva. As lideranças indígenas cobrariam repasses de dinheiro pelos servidores que o cacique indica para a área de saúde (12 postos) e educação (são 12 escolas indígenas) situados na reserva. Quem não paga seria perseguido ou expulso, diz Vandinho. Uma investigação foi aberta na Polícia Federal, com base nessa alegação do vice-cacique e em outros depoimentos.
Tortura de adversários: Vandinho afirma que Alfaiate teria autorizado a prisão de mais de 150 desafetos na comunidade indígena. A reserva tem uma cadeia própria, para manter detidos índios suspeitos de cometer crimes. Parte dos inimigos do cacique teria sido torturada nesse local, segundo ocorrências criminais registradas pela Polícia Civil em Redentora.
Vandinho afirma ter apoio da maioria dos 7 mil caingangues da Guarita e impõe uma condição para voltar a reconhecer Carlinhos Alfaiate como cacique: que 50% da reserva fique sob controle do seu grupo e a outra metade com Alfaiate. Isso incluiria nomeações de cargos e controle das lavouras nas respectivas áreas. A promessa de Vandinho é de que isso reverterá em benefício da comunidade.
Como o cacique controla o trabalho na tribo
A maioria dos professores e agentes de saúde chegam ao cargo mediante contratações emergenciais dos municípios ou do Estado, que passam pelo crivo dos políticos da região. Os concursados são minoria. Cabe ao cacique deixar ou não que alguém trabalhe na área indígena. O cacique exigiria, muitas vezes, pagamento para que o professor ou agente de saúde permaneça lá — a rachadinha do salário, uma prática ilegal, seria copiada dos políticos.
Índios indicados para serviços privados fora da área da reserva estão acostumados a retribuir o favor com presentes ao cacique, em dinheiro. Essas práticas estão relatadas em inquéritos criminais abertos e também são analisadas na dissertação de mestrado Escola Indígena e Ensino de História: um estudo em uma escola kaingang da terra indígena Guarita/RS, de Juliana Schneider Medeiros, mestre em Educação pela UFRGS.
Em dezembro de 2018, a Comissão Eleitoral Permanente da Reserva da Guarita apontou a existência de extorsão e ameaça aos agricultores parceiros que cultivam as terras junto aos indígenas, além de constrangimento moral de funcionários públicos, no primeiro ano do cacicado de Carlinhos Alfaiate (que assumiu em janeiro de 2018). A maioria dos índios decidiu pela permanência dele no cargo.
Cacique dá sua versão: “Esse pessoal está armado”
Carlinhos Alfaiate, sentado à direita, acompanhado do seu “oficialato” informalTADEU VILANI / AGENCIA RBS
Os Alfaiate são linhagem tradicional dentre os caingangues da Guarita. Carlinhos é filho de um cacique, Sebastião, e já foi cacique nos anos 1990, antes de vencer o último pleito para o cargo. Chegou ao poder quando o antigo chefe dos índios foi preso por envolvimento em assalto a banco. A eleição uniu duas famílias conhecidas da aldeia, os Alfaiate e os Ribeiro (sobrenome do atual vice, Vanderlei).
Pois Carlinhos Alfaiate dormiu no mato no último sábado (25), não pelo contato com a natureza, mas para fugir da morte. Pistoleiros o procuraram em casa, no distrito de Bananeira. Teriam antes monitorado o local com um drone. Chegaram com escopetas, pistolas, revólveres e até fuzil, atirando. Após perfurarem toda a residência com disparos, jogaram coquetéis molotov, que incendiaram o imóvel de cima a baixo.
O cacique fugiu, sua mulher ficou e foi interrogada pelos criminosos. Alguns estavam sem capuz e foram reconhecidos, inclusive por outras testemunhas. Conforme as investigações da Polícia Civil, seriam integrantes do grupo de apoio ao vice-cacique Vandinho Ribeiro.
Alfaiate permaneceu a noite escondido na floresta até buscar ajuda. Não esperava o ataque e ficou abalado. Dois dias depois, concordou em receber GaúchaZH. De camisa social vermelha, calça de tergal, tem fala calma e ponderada como se fosse um pastor. Talvez por influência dos evangélicos, que formam grande parte dos seus oficiais — os caingangues têm sociedade militarizada e as lideranças abaixo do cacique se intitulam coronel, major, capitão.
O oficialato informal de Alfaiate lotou a sala da entrevista e palpitou o tempo inteiro. Alguns carregavam bordunas. Formam um grupo mais tradicional e com mais idade do que os comandados pelo grupo oposto, os jovens liderados de Vandinho Ribeiro. Vestem trajes do meio rural, chapéus de gaúcho, bonés de tratorista. Um “coronel” pontua as falas com passagens da Bíblia. Eles garantem que não portam armas e se mostram muito preocupados com o arsenal bélico que, asseguram, os rivais têm.
— Esse pessoal que me ataca quer traficar à vontade na reserva, mas não vamos deixar. Eles estão armados, mas nós temos Deus e a lei do nosso lado — recita Alfaiate.
Arsenal da Capital
Cápsula de revólver encontrada nas ruínas da casa de Carlinhos AlfaiateTADEU VILANI / AGENCIA RBS
O cacique atribui o ataque à ideia de um grupo de caingangues que estava radicado em Porto Alegre, na Lomba do Pinheiro, e teria voltado para a Guarita para tentar o poder. Acabaram se aliando a Vandinho Ribeiro. Ribeiro admite esse apoio, só nega que os que retornaram estejam armados.
— Nunca tivemos fuzil e drone aqui. É coisa dos recém-chegados. Eles querem tomar o poder na guerra. Por que as autoridades não tomam providência? Fui legitimamente eleito — questiona Alfaiate.
Dois vereadores indígenas participam da reunião. Alguns dos “capitães” estão indóceis, revoltados, falam que o ataque não pode ficar sem resposta. Alfaiate recomenda calma.
— A gente firmou acordo de não agressão, ficamos de responder aos pedidos do Vandinho em 15 dias. Antes de o prazo terminar, sofremos o ataque. Queremos paz, mas isso não pode continuar. Os criminosos têm de ser presos — desabafa Alfaiate.
Sobre arrendamentos, o cacique não fala, diz que são intrigas e que seus adversários devem provar o que alegam. Alfaiate concorda que um dos motivos da rixa é o poder sobre indicações para cargos, mas nega achaques. Ele admite que existe uma cadeia na reserva, na qual são colocados desordeiros. Feita para bêbados, assediadores, “mas jamais para os rivais políticos”, assegura. Sobre espancamentos, ele também não comenta, mas lembra que as punições dos índios são diferentes das dos não-índios, costumam ser proporcionais ao delito.
Os tacapes estão à mostra, mas nem de longe são as armas mais potentes nessa briga. Escopetas, revólveres e até fuzis foram usados em pelo menos sete incidentes registrados nas duas últimas semanas na reserva, situada no noroeste do RS, perto da fronteira com a Argentina. No episódio mais rumoroso, mais de 20 disparos foram feitos contra a van usada pelo cacique e contra sua casa, que foi destruída a tiros e com bombas incendiárias improvisadas (coquetel molotov).
Todas as motivações por trás desse conflito envolvem poder — representado pelo cargo de chefe da reserva, o cacique. Cabe a ele a última palavra sobre quem vai ocupar os postos de trabalho dentro da área indígena. São na maioria cargos de professores e agentes de saúde — com contratos emergenciais —, mas também os empregados dos três frigoríficos situados ali. Por regra, o cacique e seus colaboradores mais próximos são quem indica nomes que trabalham junto à comunidade caingangue. Em maioria, os escolhidos são indígenas.
O cacique também costuma enviar indígenas, recomendados por ele, para serviços em outras cidades, como a colheita da maçã em Vacaria. Cestas básicas também costumam ser centralizadas no cacicado.
O cálculo do próprio staff próximo a Carlinhos Alfaiate é de que suas indicações atinjam mil postos de trabalho. Isso é um tesouro, numa comunidade que tem 7 mil índios. E movimenta a economia dos três municípios cortados pela reserva (Redentora, Miraguaí e Tenente Portela). A influência é tamanha que os caingangues elegeram três vereadores nas últimas eleições e seu apoio é decisivo para os prefeitos.
Essa é a face legalizada do poder do cacicado e já explicaria a ambição pelo cargo. Mas existe também a disputa clandestina, por supostas arrecadações irregulares. Quem assume a existência disso, sem meias palavras, é o maior adversário do cacique Carlinhos Alfaiate, o vice-cacique Vanderlei Ribeiro, o Vandinho, 46 anos. Suspeito de ter organizado o atentado contra Alfaiate (conforme testemunhas relatam à Polícia Civil), Vandinho nega, mas admite a rivalidade entre os dois e diz que ele se considera o legítimo cacique, não mais Alfaiate.
Vandinho recebeu GaúchaZH na localidade de Pedra Lisa, nos arredores de Tenente Portela. Estava ladeado por caingangues de figurinos variados. Os mais antigos, com chapéu de vaqueiro e botas. Os mais jovens, com tênis Nike, pulseiras — alguns com corte de cabelo moicano e brincos nas orelhas. O alarido era grande. As mulheres, mais atrás, apenas espiavam.
Vandinho confirmou ter repassado documento ao Ministério Público Federal (MPF), ao qual os repórteres tiveram acesso, no qual relaciona supostas práticas criminosas históricas na reserva e assegura que elas seriam mantidas por Alfaiate:
Arrendamento ilegal de terras: é algo no qual os índios entram com terra e os não-índios, com máquinas e plantio. A prática configura crime, porque área de reserva é propriedade da União e não pode ser arrendada. Em documento anexado à investigação do MPF, Vandinho diz que o cacique arrecadaria em um ano R$ 1,5 milhão com arrendamento de áreas da reserva para plantio de soja, milho e trigo (safras de inverno e verão). A terra é ampla e fértil, com acesso por estrada asfaltada, raridade no meio de um mar de pequenas propriedades. Dos 24 mil hectares da área indígena (800 vezes o Parque da Redenção, em Porto Alegre), metade é destinada à lavoura, quase toda plantada por agricultores não-índios, sem contrato legalizado (conforme o MPF). De cada hectare plantado, duas sacas colhidas vão para o cacique (a R$ 62 cada uma), relata Vandinho, afora aluguel que o líder cobraria também dos indígenas, por uso da terra. Há uma ideia do governo Bolsonaro de legalizar o arrendamento em área indígena, mas a prática continua ilegal.
xtorsão a servidores: é um delito crônico na reserva. As lideranças indígenas cobrariam repasses de dinheiro pelos servidores que o cacique indica para a área de saúde (12 postos) e educação (são 12 escolas indígenas) situados na reserva. Quem não paga seria perseguido ou expulso, diz Vandinho. Uma investigação foi aberta na Polícia Federal, com base nessa alegação do vice-cacique e em outros depoimentos.
Tortura de adversários: Vandinho afirma que Alfaiate teria autorizado a prisão de mais de 150 desafetos na comunidade indígena. A reserva tem uma cadeia própria, para manter detidos índios suspeitos de cometer crimes. Parte dos inimigos do cacique teria sido torturada nesse local, segundo ocorrências criminais registradas pela Polícia Civil em Redentora.
Vandinho afirma ter apoio da maioria dos 7 mil caingangues da Guarita e impõe uma condição para voltar a reconhecer Carlinhos Alfaiate como cacique: que 50% da reserva fique sob controle do seu grupo e a outra metade com Alfaiate. Isso incluiria nomeações de cargos e controle das lavouras nas respectivas áreas. A promessa de Vandinho é de que isso reverterá em benefício da comunidade.
Como o cacique controla o trabalho na tribo
A maioria dos professores e agentes de saúde chegam ao cargo mediante contratações emergenciais dos municípios ou do Estado, que passam pelo crivo dos políticos da região. Os concursados são minoria. Cabe ao cacique deixar ou não que alguém trabalhe na área indígena. O cacique exigiria, muitas vezes, pagamento para que o professor ou agente de saúde permaneça lá — a rachadinha do salário, uma prática ilegal, seria copiada dos políticos.
Índios indicados para serviços privados fora da área da reserva estão acostumados a retribuir o favor com presentes ao cacique, em dinheiro. Essas práticas estão relatadas em inquéritos criminais abertos e também são analisadas na dissertação de mestrado Escola Indígena e Ensino de História: um estudo em uma escola kaingang da terra indígena Guarita/RS, de Juliana Schneider Medeiros, mestre em Educação pela UFRGS.
Em dezembro de 2018, a Comissão Eleitoral Permanente da Reserva da Guarita apontou a existência de extorsão e ameaça aos agricultores parceiros que cultivam as terras junto aos indígenas, além de constrangimento moral de funcionários públicos, no primeiro ano do cacicado de Carlinhos Alfaiate (que assumiu em janeiro de 2018). A maioria dos índios decidiu pela permanência dele no cargo.
Cacique dá sua versão: “Esse pessoal está armado”
Carlinhos Alfaiate, sentado à direita, acompanhado do seu “oficialato” informalTADEU VILANI / AGENCIA RBS
Os Alfaiate são linhagem tradicional dentre os caingangues da Guarita. Carlinhos é filho de um cacique, Sebastião, e já foi cacique nos anos 1990, antes de vencer o último pleito para o cargo. Chegou ao poder quando o antigo chefe dos índios foi preso por envolvimento em assalto a banco. A eleição uniu duas famílias conhecidas da aldeia, os Alfaiate e os Ribeiro (sobrenome do atual vice, Vanderlei).
Pois Carlinhos Alfaiate dormiu no mato no último sábado (25), não pelo contato com a natureza, mas para fugir da morte. Pistoleiros o procuraram em casa, no distrito de Bananeira. Teriam antes monitorado o local com um drone. Chegaram com escopetas, pistolas, revólveres e até fuzil, atirando. Após perfurarem toda a residência com disparos, jogaram coquetéis molotov, que incendiaram o imóvel de cima a baixo.
O cacique fugiu, sua mulher ficou e foi interrogada pelos criminosos. Alguns estavam sem capuz e foram reconhecidos, inclusive por outras testemunhas. Conforme as investigações da Polícia Civil, seriam integrantes do grupo de apoio ao vice-cacique Vandinho Ribeiro.
Alfaiate permaneceu a noite escondido na floresta até buscar ajuda. Não esperava o ataque e ficou abalado. Dois dias depois, concordou em receber GaúchaZH. De camisa social vermelha, calça de tergal, tem fala calma e ponderada como se fosse um pastor. Talvez por influência dos evangélicos, que formam grande parte dos seus oficiais — os caingangues têm sociedade militarizada e as lideranças abaixo do cacique se intitulam coronel, major, capitão.
O oficialato informal de Alfaiate lotou a sala da entrevista e palpitou o tempo inteiro. Alguns carregavam bordunas. Formam um grupo mais tradicional e com mais idade do que os comandados pelo grupo oposto, os jovens liderados de Vandinho Ribeiro. Vestem trajes do meio rural, chapéus de gaúcho, bonés de tratorista. Um “coronel” pontua as falas com passagens da Bíblia. Eles garantem que não portam armas e se mostram muito preocupados com o arsenal bélico que, asseguram, os rivais têm.
— Esse pessoal que me ataca quer traficar à vontade na reserva, mas não vamos deixar. Eles estão armados, mas nós temos Deus e a lei do nosso lado — recita Alfaiate.
Arsenal da Capital
Cápsula de revólver encontrada nas ruínas da casa de Carlinhos AlfaiateTADEU VILANI / AGENCIA RBS
O cacique atribui o ataque à ideia de um grupo de caingangues que estava radicado em Porto Alegre, na Lomba do Pinheiro, e teria voltado para a Guarita para tentar o poder. Acabaram se aliando a Vandinho Ribeiro. Ribeiro admite esse apoio, só nega que os que retornaram estejam armados.
— Nunca tivemos fuzil e drone aqui. É coisa dos recém-chegados. Eles querem tomar o poder na guerra. Por que as autoridades não tomam providência? Fui legitimamente eleito — questiona Alfaiate.
Dois vereadores indígenas participam da reunião. Alguns dos “capitães” estão indóceis, revoltados, falam que o ataque não pode ficar sem resposta. Alfaiate recomenda calma.
— A gente firmou acordo de não agressão, ficamos de responder aos pedidos do Vandinho em 15 dias. Antes de o prazo terminar, sofremos o ataque. Queremos paz, mas isso não pode continuar. Os criminosos têm de ser presos — desabafa Alfaiate.
Sobre arrendamentos, o cacique não fala, diz que são intrigas e que seus adversários devem provar o que alegam. Alfaiate concorda que um dos motivos da rixa é o poder sobre indicações para cargos, mas nega achaques. Ele admite que existe uma cadeia na reserva, na qual são colocados desordeiros. Feita para bêbados, assediadores, “mas jamais para os rivais políticos”, assegura. Sobre espancamentos, ele também não comenta, mas lembra que as punições dos índios são diferentes das dos não-índios, costumam ser proporcionais ao delito.
FONTE: GAUCHA ZH/HUMBERTO TREZZI
Comentários