Voltar
Aprovadas em concurso da Polícia Civil do RS, pessoas com deficiência são eliminadas e entram n
Quarta, 10 de Julho de 2019 às 09:00
Gustavo Mansur/Palácio Piratini
Candidatos com deficiência aprovados no concurso da Polícia Civil do Rio Grande do Sul lançado em 2017 para os cargos de inspetor e escrivão precisaram buscar na Justiça o direito de participar do curso de formação e tomar posse.

Na segunda-feira (8), a Academia de Polícia do estado (Acadepol) formou 412 novos policiais em Porto Alegre, sendo 207 escrivães e 205 inspetores. Só que nem todos eles estavam na cerimônia de posse desta terça (9), porque ainda dependem de decisões judiciais para poder assumir.

Uma delas é Meiriely Thiemy da Silva, de 26 anos. Moradora de Goiás, ela tem visão monocular (enxerga apenas 5% com um dos olhos) e foi considerada inapta para participar do curso de formação, após exame médico, por possuir “deficiência incompatível com a função policial e o cargo pretendido” (conforme imagem abaixo).

[Meiriely foi considerada inapta para participar do curso de formação da Polícia Civil — Foto: Reprodução/DOA]
[Meiriely foi considerada inapta para participar do curso de formação da Polícia Civil — Foto: Reprodução/DOA]

Meiriely foi considerada inapta para participar do curso de formação da Polícia Civil — Foto: Reprodução/DOA

O edital de abertura, lançado em dezembro de 2017, reservava 10% das vagas para Pessoas com Deficiência (PCDs), desde que as atribuições, habilidades e aptidões exigidas para o cargo fossem compatíveis com a deficiência que possuem.

No ato da inscrição, o candidato já deve declarar a espécie e o grau da deficiência por meio de apresentação de laudo médico.

Meiriely cumpriu a exigência, foi autorizada a participar do concurso, realizou provas objetiva, de redação e física, obtendo a aprovação. Passou ainda por teste psicológico e psiquiátrico, e foi considerada apta.

O exame de saúde, que a impossibilitaria de entrar para o curso de formação da Polícia Civil, viria depois de todas essas etapas. O resultado foi publicado no Diário Oficial do Estado (DOE) no dia 3 de dezembro de 2018.

De acordo com a candidata, não só ela, que se inscreveu para o cargo de Inspetor de Polícia, como todos os aprovados com deficiência foram desclassificados. Nas listas de inaptos para os cargos de Inspetor e Escrivão de Polícia, divulgadas no DOE, constam 15 nomes.

Pelo menos três deles entraram na Justiça, tiveram liminares favoráveis e puderam cursar a Acadepol. Recentemente, dois obtiveram decisão definitiva e foram autorizados a tomar posse.

Questionada pelo G1, a Polícia Civil do RS não respondeu quantas pessoas com deficiência foram aprovadas no concurso, nem confirmou se todas foram consideradas inaptas no exame médico.

Também não explicou que tipo de deficiência seria aceita para os cargos de Inspetor e Escrivão de Polícia. Veja o posicionamento da Polícia Civil abaixo.

“Todos inaptos, mas não foi fundamentado”, contesta Meiriely.

“O edital é abusivo, porque prevê 10% das vagas aos portadores de deficiência apenas para dar aparência lícita ao edital, mas ao final elimina todos”, acrescenta.

Liminar favorável[Introdução do despacho do juiz que concedeu liminarmente autorização para que Meiriely cursasse a Acadepol — Foto: Reprodução]Introdução do despacho do juiz que concedeu liminarmente autorização para que Meiriely cursasse a Acadepol — Foto: Reprodução

A goiana Meiriely decidiu entrar com uma ação judicial contra o estado do Rio Grande do Sul. Entre os argumentos, garantiu que atende às normas do edital, já que a deficiência não impede as aptidões exigidas para o cargo.

Também elencou o fato de possuir Carteira Nacional de Habilitação (CNH) para as categorias A e B e de ter sido considerada apta à função policial em perícia realizada pela Polícia Civil de Minas Gerais para o cargo de delegada.

No fim de dezembro de 2018, obteve liminar favorável, que a autorizava a participar do curso de formação.

“Não se pode determinar, em tese, declaração de inaptidão justamente com fundamento na sua deficiência, mormente porque não se pode afirmar fato futuro, qual seja, que a autora não possa desempenhar não somente a função de inspetor de polícia, mas de frequentar o curso com aprovação”, diz o despacho do juiz Alex Gonzales Custódio.

“Não pode o requerido, por seus pressupostos, fazer um exercício de futurologia, declarando, de pronto, a autora inapta […] sem não antes ela frequentar o curso”, segue o juiz.[Meiriely participou da formatura na última segunda-feira (8), mas não pode tomar posse — Foto: Gustavo Mansur/ Palácio Piratini]Meiriely participou da formatura na última segunda-feira (8), mas não pode tomar posse — Foto: Gustavo Mansur/ Palácio Piratini

A candidata obteve nota média de 9,3 (de 10) no curso de formação realizado no primeiro semestre de 2019. Está formada. Para assumir o cargo, no entanto, Meiriely aguarda uma decisão definitiva da Justiça, que ainda analisará o mérito.

“O curso em si não foi tão difícil quanto foi o processo”, compara.

Se ela for autorizada a assumir, o estado ainda pode recorrer da decisão, o que a coloca em uma situação de instabilidade.

“Fiz curso de direito exatamente para poder prestar concurso na área policial, sempre quis essa área e vim estudando para isso. Agora, sem nenhuma visão de futuro, não sei ainda, vou aguardar a decisão”, afirma a candidata, que ainda não esboçou um plano B.

Inapta no RS, apta no PR[Michelle aprovada no concurso, mas considerada inapta depois do exame de saúde — Foto: Reprodução/DOA]Michelle aprovada no concurso, mas considerada inapta depois do exame de saúde — Foto: Reprodução/DOA

Natural de Cascavel, no Paraná, a advogada Michelle Helena Marangoni, de 33 anos, também foi aprovada no concurso, mas considerada inapta depois do exame de saúde. Ela se inscreveu para a vaga de Escrivão de Polícia.

“Tenho amputação parcial traumática do dedo indicador direito. Não tenho a pontinha do dedo indicador, vai até o limite da cutícula [da unha]”, explica Michelle.

A candidata diz que a limitação é mínima e não a impede de executar as atividades previstas para a função. “Inclusive para atirar. No curso de formação, é exigido atirar com a mão esquerda e com a mão direita. Não tenho nenhuma limitação para atirar”, alega.

“Ninguém é inválido ali”, defende.

Ela não chegou a entrar na Justiça porque está concorrendo à mesma vaga em seu estado. No concurso da Polícia Civil do Paraná, Michelle também passou pela perícia médica, mas, neste caso, foi considerada apta a dar sequência ao processo.

“Na iniciativa privada, a gente já tem as limitações, e no serviço público, que tem uma lei que assegura as vagas para deficientes, não nos deixam assumir”, critica Michelle.

O que diz a Polícia Civil

O G1 entrou em contato com a assessoria da Secretaria de Segurança Pública (SSP) do estado, que repassou os questionamentos feitos pelo portal à assessoria da Polícia Civil. A maior parte das questões não foi respondida pela corporação, que encaminhou a seguinte nota:

“A Polícia Civil do Estado do RS, órgão da Administração Pública Estadual, primeiramente informa que não atua de forma discriminatória, em qualquer de seus aspectos.

Em atenção ao princípio da legalidade, os procedimentos adotados estão conformados à Lei dos Concursos e ao Edital nº 21/2017, devendo todo e qualquer candidato submeter-se às normas do concurso público, que sabe-se complexo e prevendo diversas etapas, além das provas intelectuais e de conhecimentos gerais, psicológica, psiquiátrica, de aptidão, exames de saúde, além da fase da academia de polícia, sendo algumas dessas fases de competência de órgãos externos à Polícia Civil.

Para os demais questionamentos, que se apresentam genéricos, não entendemos adequados exemplificá-los, em respeito às condições das pessoas com deficiência.

De qualquer forma, tanto a Polícia Civil, pelos órgãos competentes, quanto o Poder Judiciário, continuamente revisam e atendem a tutela dos casos que se adequem ao ingresso do candidato nos quadros da Instituição”.



 
Fonte: G1/RS
Imagens
Comentários